Em abril de 2010, como muitos já sabem, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou que iria remover toda a comunidade do Laboriaux, sem negociação. Num artigo da Globo no dia 8 de abril de 2010 (página 14 – O Rio Em Colapso ) Paes (PMDB ) e outros, inclusive a vereadora Andrea Gouvea Vieira ( PSDB) – mesmo sendo da sua oposição política – salientou a urgência de despejo total. O artigo descreve uma rachadura supostamente correndo ao longo de toda a rua principal do Laboriaux. A comunidade, Gouvea disse a um grupo de moradores, poderia partir no meio e as pessoas precisavam deixa-la urgentemente. No jornal O Estadão, no dia 7 de abril, ela é citado dizendo, ”É uma situação inaceitável, Aquilo [A rua] está-se descolando, um pedaço do Laboriaux. Tem que haver uma evacuação urgente.” Gouvea mora na área imediatamente abaixo da Rocinha conhecida como Alto Gávea , uma área que tem uma relação conflituosa com o lado leste da Rocinha na fronteira com a Gávea. No passado, os moradores ricos da Alto Gávea conseguiram convencer a prefeitura a remover “areas da Rocinha adjacentes. Alguns foram reassentados na distante zona oeste distante e retornaram depois, outros foram reasentadas na Cidade de Deus, e é por isso que hoje há uma área lá chamada Rocinha Dois
Outra atitude que na época foi repetida pelo poder público, a mídia e as elites da foi resumida claramente pelo presidente do Clube de Engenharia do Rio, Francis Bogossian. Ele é citado dizendo que a remoção de Laboriaux seria “um presente para os menos desfavorecidos” e que ” eu não gostaria de morar lá.” Ele disse que no Laboriaux, “todos os moradores estão sujeitos a escorregamento.” Bem, Paes, Gouvea e Bogossian e muitos outros estavam errados, como o tempo mesmo mostra. Uma dúzia de casas em Laboriaux estavam em áreas de risco, e corretamente, os moradores foram reassentados, mesmo que de uma maneira desorganizada e muitas vezes prejudicial. Existem ainda algumas áreas que precisam de obras para torná-los mais seguros, mas toda a comunidade de 4.000 habitantes nunca esteve em risco. Foi uma tentstiva autoritária para tentar a remoção de milhares de moradores de baixa renda de uma das áreas com o valor do metro quadrado mais alta da cidade. Todo o processo cheirava de corrupção e os moradores entenderem isso desde o início. É por isso que houve uma resistência tão forte e também porque os moradores do Laboriaux amam sua comunidade.
A reação autoritária e paternalista era uma ofensa para os moradores locais. A elite retratou a situação como se os moradores coitados não queriam viver no Laboriaux, que seria um ato benevolente e um presente para fornecer essas pessoas miseráveis com um apartamento barato num conjunto habitacional construído às pressas cerca de 60 quilômetros de distância, em uma área controlada por milícias.
Pessoas que conhecem Laboriaux sabem bem a verdade. Desde a sua fundação oficial, em 1982 , pela mesma prefeitura que em 2010 tentou despejá -lo, Laboriaux tem sido um lugar especial para seus moradores. Vê este artigo da Globo do 1990 que mostra claramente como os moradores apreciam morar no Laboriaux, apesar de querer vê-lo melhorar. A maioria dos moradores gostam de viver no Laboriaux e lutam para mantê-la uma comunidade encantadora. As fotos mostram exemplos de mutirões de limpeza. As imagens retratam momentos em que os moradores e amigos do Laboriaux se reunem, em várias ocasiões, para limpar e concientizar sobre a necessidade de preservar e valorizar a área. O Movimento Preserva Laboriaux é um dos movimentos por trás disso. Mundo Real é outra organização que atua no Laboriaux desde 2006 e que se centra em pesquisa, educação e ativismo.
Agora, a mesma rua que o poder público afirmou que estava se dividindo no meio está finalmente a sendo reparada. Finalmente, porque depois dos paralelepípedos foram colocados no início de 1980 a cidade nunca mais voltou a fornecer reparos e manutenção. Agora a rua Maria do Carmo, está sendo asfaltada. De certa forma, já da saudade, porque os paralelepípedos derem no Laboriaux uma sensação rústica de uma vila no interior. Mas a cidade não os mantinha e a rua se tornou bastante esburacada e os vizinhos usaram seus próprios recursos para melhora-la. A rua desnivelada e cheia de buracos também era um perigo que causou inúmeros acidentes .
Rua Maria do Carmo está sendo pavimentada porque Laboriaux não vai ser mais removida, segundo o próprio Eduardo Paes, que no início de agosto, finalmente veio pela primeira vez desde que ele condenou área 3,5 anos atrás. Ele anunciou que agora a prefeitura vai começar a investir em Laboriaux porque a comunidade não seria mais removida, nem uma casa mais.
Por que essa mudança drástica? Certamente não é resultado da sua boa vontade, mas sim porque os moradores do Laboriaux lutaram persistentemente desde abril de 2010 para permanecer e para melhorias ao invés de remoção. Há muitos moradores que contribuirem, mas há um pequeno grupo de mais ou menos 15 moradores que estiveram na vanguarda dessa resistência desde o início da tentativa de remoção. Mundo Real teve um papel importante desse processo também. Moradores do Laboriaux foram consistentemente nas ruas protestando, para inúmeras reuniões com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no Pastoral das Favelas e em vários eventos como as imagens retratam. Atualmente, esses moradores estão tentando reativar a Associação de Moradores do Laboriaux (AMAVL).
AMAVL já foi uma associação dinâmica mas fechou abruptamente em 2010 logo após que Paes anunciou que iria remover Laboriaux. Naquela época, um dos nossos mais queridos presidentes e líder local, Antonio Ximenes, faleceu. Dizem muitos moradores que Ximenes, quem lutava contra cancer, não aguentou mais depois de ouvir que sua comunidade onde ele lutou incansavelmente, seria despejada. Após sua morte, as grandes Associações de Moradores na partebaixa da Rocinha, aquelas que estão alinhadas com os elementos corruptos da prefeitura e do estado, proibiam é a reabertura da AMAVL, a menos que seja sob seu controle. Eles ainda fizeram ameaças de violência numa época em que Rocinha ainda era totalmente controlada pelo tráfico. AMAVL permaneceu fechada e a voz de Laboriaux foi diminuída.
Mesmo com Laboriaux tão ativo desde 2010, foi necesário uma mobilização maior para forçar as autoridades, cada vez mais mal-vistos, a reconsiderar como eles lidam com os moradores de baixa-renda e da classe média do Rio de Janeiro. Paes foi à Laboroaux no início de agosto porque ele não tinha outra opção política, a pressão era muito intenso no final de julho. Isso ocorreu principalmente por causa das grandes manifestações no Brasil em junho e julho e após a passeata da Rocinha ao apartamento à beira-mar do governador Cabral no final de junho, em que dezenas de moradores do Laboriaux participaram. Os manifestantes foram convidadas para uma reunião com Cabral no Palácio Guanabara. Abaixo está uma foto de José Ricardo, um dos ativistas mais incansáveis do Laboriaux, logo depois de uma reunião com o governador do Rio Sérgio Cabral e o vice-governador Pezão. Foi nessa reunião que eles conseguirem Eduardo Paes numa teleconferência e lhe perguntaram sobre o que estava acontecendo no Laboriaux. Paes tropeçou um pouco, mas finalmente disse que não tinha planos para o Laboriaux, nem mesmo mencionou a remoção. Cabral, em seguida, perguntou se o Estado poderia intervir no Laboriaux através do PAC 2 e Paes disse que não seria problema. Cabral deixou claro que se houvesse recursos do PAC 2 o Laboriaux receberia investimentos em infrastructura, à que José Martins da Rocinha sem Fronteiras disse logo que após que descobriu naquele mesmo dia, “beleza, cancele o teleférico caríssimo e haverá muito dinheiro sobrando para Laboriaux e outras áreas da Rocinha excluídos do PAC 2.” Tecnicamente, qualquer nível de governo pode e deve estar presente no Laboriaux, mas assim que foi fundada pela prefeitura e desde que a mesma o condenou a remoção, Laboriaux ficou mais nas mãos da prefeitura nos últimos anos. Desde então, como mencionado acima, Paes, pressionado por uma Rocinha cada vez mais organizado e politizada, visitou Laboriaux e prometeu a permanência dos moradores. Eles começaram a pavimentação da rua no início deste mês e até agora os moradores estão geralmente satisfeitos. O José Ricardo salientou esta sendo feito sem projeto, sem participação dos moradore e sem estudo de impacto ambiental, além de não atender as outras ruas do Laboriaux como a José Inácio e a travessa São João e Vila Verde. Esperemos que este seja o primeiro de muitos investimentos que serão feitos no Laboriaux e outras áreas periféricas da Rocinha que foram excluídos de programas como o PAC 1 e 2. Os moradores do Laboriaux reativando a AMAVL sabem que há muitas questões que precisam ser tratadas. Alberto Peres, que mora mais de 25 anos no Laboriaux e que esta ajudando reabrir a AMAVL, contou recentemente que agora que o Laboriaux vai ficar poderia ter uma nova onda de especulação imobiliária. Assim seria importante, ele disse, que os moradores junto com a AMAVL entendem e organizam para que esse fenômeno, bastante possível, não acaba removendo de outra forma uma grande parte dos moradores do Laboriaux. Mundo Real está preparando uma série de artigos acadêmicos com o Rafael Soares Gonçalves da PUC-Rio sobre Laboriaux, políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro e a resistência intensa que teve no Laboriaux desde 2010. Estes devem estar disponíveis nos meados de 2014.
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